Aquilo que um dia pode acontecer na vida de qualquer um que tenha um lápis
Ele era um grande cara com apenas uma grande mácula. Era metido a escritor, uma verdadeira farsa literária. Achava que poderia escrever melhor do que todos os autores que lia. Portanto, não se preocupava em ter um estilo ou formato de escrita. Tanto fazia. Prosa ou poesia. Também pensava que conquistava as mulheres com as suas palavras, já que sua face não ajudava. Fazia crônicas, versos, contos. Nada com muito fundamento. Eram plágios escancarados. Só ele não via (ou fingia). Com o tempo ganhou coragem. Foi perdendo a covardia. Julgou ter passado barreiras que, no início, jamais passaria. Era hora de mostrar a alguém seu talento. Primeiro aos amigos de confiança, logo depois para qualquer desconhecido despreocupado com o conteúdo. Um dia, porém, uma linda colega pegou seu caderno e encontrou um pseudopoema. EXATAMENTE COMO OCORRIA EM SEUS CONTOS DE FANTASIA. Ela leu distraidamente. Sua simpatia a impediu de ser plenamente sincera. Disse que estava bom. Ele, contudo, não se iludiu. (Na verdade sempre soube achar que fosse muito mais do que realmente seria). O pior: ela insistiu. Capaz, com essa idade, nem Machado assim escrevia, disse. Nosso anti-herói sorriu, que gentileza, proferiu. Pensou que se ela tornasse a elogiá-lo por conta de versos tão mal escritos não teria dúvida de que ela tem outra por dentro ou uma máscara por fora. Na mosca. Ela deu os passos suficientes para ficarem frente a frente. Olho a olho. Disse que os versos não eram definitivos, que seguiriam. Não resistiu mais. A pouca distância e a profundidade daquelos claros olhos eram de força infinitamente maior que a dele de se autodifamar. São ruins, disse. Não são, ela respondeu. Como podem? Como poderiam? Perdeu. Ela o dominou. EXATAMENTE COMO ELE SONHAVA ANTES DE SEUS CONTOS DE FADA. Só o largou para respirar. Muitos infinitos instantes depois. Ela tinha conquistado seu Shakespeare. Seu Camões. E ele sua musa. E tornou-se o maior escritor do mundo, sem a menor sombra de dúvidas.
Rodolfo Mohr