Tuesday, July 25, 2006

Aquilo que um dia pode acontecer na vida de qualquer um que tenha um lápis

Ele era um grande cara com apenas uma grande mácula. Era metido a escritor, uma verdadeira farsa literária. Achava que poderia escrever melhor do que todos os autores que lia. Portanto, não se preocupava em ter um estilo ou formato de escrita. Tanto fazia. Prosa ou poesia. Também pensava que conquistava as mulheres com as suas palavras, já que sua face não ajudava. Fazia crônicas, versos, contos. Nada com muito fundamento. Eram plágios escancarados. Só ele não via (ou fingia). Com o tempo ganhou coragem. Foi perdendo a covardia. Julgou ter passado barreiras que, no início, jamais passaria. Era hora de mostrar a alguém seu talento. Primeiro aos amigos de confiança, logo depois para qualquer desconhecido despreocupado com o conteúdo. Um dia, porém, uma linda colega pegou seu caderno e encontrou um pseudopoema. EXATAMENTE COMO OCORRIA EM SEUS CONTOS DE FANTASIA. Ela leu distraidamente. Sua simpatia a impediu de ser plenamente sincera. Disse que estava bom. Ele, contudo, não se iludiu. (Na verdade sempre soube achar que fosse muito mais do que realmente seria). O pior: ela insistiu. Capaz, com essa idade, nem Machado assim escrevia, disse. Nosso anti-herói sorriu, que gentileza, proferiu. Pensou que se ela tornasse a elogiá-lo por conta de versos tão mal escritos não teria dúvida de que ela tem outra por dentro ou uma máscara por fora. Na mosca. Ela deu os passos suficientes para ficarem frente a frente. Olho a olho. Disse que os versos não eram definitivos, que seguiriam. Não resistiu mais. A pouca distância e a profundidade daquelos claros olhos eram de força infinitamente maior que a dele de se autodifamar. São ruins, disse. Não são, ela respondeu. Como podem? Como poderiam? Perdeu. Ela o dominou. EXATAMENTE COMO ELE SONHAVA ANTES DE SEUS CONTOS DE FADA. Só o largou para respirar. Muitos infinitos instantes depois. Ela tinha conquistado seu Shakespeare. Seu Camões. E ele sua musa. E tornou-se o maior escritor do mundo, sem a menor sombra de dúvidas.
Rodolfo Mohr

Monday, July 17, 2006

Manual de Redação

Parece-me óbvio que quando estiver na página policial escreverei sobre crimes, assaltos, delitos. E que não escreverei sobre futebol na editoria de política, nem de crise no Oriente Médio na área econômica. A menos que sejam assuntos relacionados. Também me parece claro não dissertar sobre o cabelo da recordista mundial dos 100m rasos no editorial de uma revista cultural. Concluo com isso que não sofrerei de falta de unidade temática.
Quando necessitar ilustrar uma eleição ou catástrofe natural recorrerei a a eleitores, urnas, votos ou terremotos, deslizamentos de terra ou furacões, não a comum falta de potência sexual dos homens acima dos 70 anos, nem dos calorões recorrentes à menopausa. Observo que a concretude sonhada e desejada por todas as áres dos saber não há de me faltar.
Suponho também que ao escrever sobre a final de um evento esportivo importante ou sobre a posse de um presidente da república, não vá perder importantes linhas a que tenho direito e o dever de bem ocupá-las escrevendo sobre a alegria das crianças que entraram em campo com os jogadores na final da Copa do Mundo ou que vá falar sobre o magnífico modelito utilizado na posse do novo mandatário nacional por nossa mais nova primeira-dama, que mesmo sendo tupiniquim prefere etiquetas novaiorquinas. Enfim, não farei esforço para não informar objetivamente.
Finalmente, qualquer matéria que terei de redigir terá de ser redigida por ter alguma relevância, nem que seja para poucas pessoas situadas em algum beco do espaço. Nenhum editor minimamente ajuizado precisará de supérfluos (ao menos onde pretendo exercer minha futura profissão). Enfim, o questionamento e o respectivo interesse gerado são naturais. Interesse este naturalizado pela importância do conteúdo em si ou por letras garrafais na primeira página.
Ao rever esses pontos em que tentaram, e por mais dois semestres continuarão tentando, nos modelar nesses últimos meses vejo a total incapacidade pedagógica do sr. Paulo Coimbra Guedes e de suas discípulas. Creio que terão de pedir aposentadoria imediatamente ou serão exonerados por justa causa. Ser doutor e mestre dizendo o que está à altura dos olhos de qualquer alfabetizado não parece um grande feito. A fôrma que nos passam como a base de qualquer texto é mais velha que a fôrma que foi feito Adão. É mais usual e comum que a fórmula da água ser H2O e o oxigênio ser indispensável à vida humana. Portanto, não queiram dizer que sou A, B ou C por acharem que meu texto é dispersivo, abstrato, subjetivo e sem graça. Se for, ninguém lerá. Ninguém leria. Mesmo que seja ou que fosse, nesses casos nada melhor que um publicitário ou um relações públicas. Então, até mais ver, Pati.
Rodolfo Mohr

Tuesday, July 11, 2006

Transporte Coletivo

Não sei onde surgiu o transporte coletivo. Deve ser mais um dos maravilhosos fenômenos da Revolução Industrial. O que tenho notado, e que também não é nenhuma novidade, é a impessoalidade existente nos transportes coletivos, no meu caso o ônibus.

Nesta cidade, Porto Alegre (sigo com a pretensão de quem alguém de fora leia isso), milhares de pessoas diariamente utilizam-se dos ônibus que estão sendo em boa parte substituídos. Frota nova, infelizmente, não representa nova forma comportamental dos usuários.

Fico inconformado com a falta de contato humano entre as pessoas que andam de ônibus aqui. Apesar de se encoxarem constantemente devido à superlotação, não trocam mais que duas palavras. Com licença pra cá e com licença pra lá. Nada mais.

Imaginem o meu desconforto e impotência ao estar tranquilamente vindo à faculdade sentado na poltrona da janela e tendo o lugar vago ao meu lado. Em mais uma dessas magníficas paradas onde sobem muitas pessoas. Estava distraído quando a mulher da minha vida sentou-se ao meu lado. Ela ouvindo música, eu lendo. Eu todo de preto, ela toda de azul-marinho. Eu indo para UFRGS, ela vindo da PUC. Seríamos completos. Ela loira, européia, eu moreno, fusão de árabes e europeus. Tudo encaminhado, exceto a impessoalidade existente no transporte coletivo.

Curioso como em um ambiente de grande circulação haja contato humano muito próximo do inexistente. Não há espaço para um oi, para um como vai. Só há lugar para caras fechadas esperando o destino do desembarque.

E eu desembarquei. Sabendo que quatro lindos filhos nascerão de outra mulher. Lamento e sigo. Até a volta para casa e a constante perda de destino que nos proporciona o transporte coletivo.



Rodolfo Mohr